
Aquela criança tem o rosto sujo e os olhos embaçados. Fome? Nada sei daquela criança de rosto sujo e olhos embaçados, da sua fome, dos seus medos, da sua família. Parece-me prostrada à sorte, aquela criança, sentada sobre o barro, entre ruínas.
Aquela mulher tão vestida de negro! Nada sei daquela mulher tão vestida de negro, dos seus olhos que fixam o chão. Nada sei dos seus desejos, dos seus filhos, do marido, se a eles tiver. Nada sei do seu dia, da sua rotina doméstica, dos afazeres que a obrigam a enfrentar o público das ruas,
Aquela mulher tão vestida de negro... Nada sei da sua educação, dos pudores que lhe enrubescem as faces, dos costumes que lhe toldam as vontades e lhes formam o caráter. Nada sei do cheiro que exalam seus cabelos ou dos aromas que lhe impregnam a cozinha.
E aquela mulher tão vestida de negro caminha depressa, parece fugir, parece correr, e nada sei das razões que lhe fizeram despertar pela manhã e enfrentar o mundo.
São personagens, tão somente, deste drama. Se vistos de perto, são homens, mulheres e crianças. Têm fome, têm sede, têm dor, têm sono, têm sonhos também, pois são humanos. Se vistos de longe, são figuras que se movem, que se esbarram. Agora, se vistos do alto... Bem, se vistos do alto, não são vistos, não são nada, quando muito um pequeno ponto sobre a terra.
Lá debaixo encaram o céu, os olhos atraídos pelo ruído. É doce o ruído! Movem os olhos e buscam Alá que parece chamá-los. E Alá é luminoso, Alá vem rápido, e num átimo de segundo não há mais olhos que fixam o céu, nem aquela criança de rosto sujo e olhos embaçados, nem aquela mulher tão vestida de negro. Há apenas corpos inertes e despedaçados que lá do alto não se podem ver. Há apenas a terra estuprada que se entrega em enormes crateras. Há apenas o sonho que se perdeu para sempre. E nós nem os conhecíamos, e já eram culpados por aquilo que não fizeram!
Não é apenas porque tememos o ruído dos canhões e o zumbido dos mísseis que cortam o céu que somos contra. Não é apenas porque o petróleo falta e os preços sobem que somos contra. Não é apenas porque nos repugna o sangue que se mistura à terra violada que somos contra. Mas é também porque matamos aquele homem que cria ovelhas, aquela criança de rosto sujo e olhos embaçados, aquela mulher tão vestida de negro, que somos contra!
Somos contra, senhor busch, e o minúsculo é proposital, pois teu nome não tem honra, teu nome é vergonha, e queremos que o saibas. Bem como o nome daqueles que te seguem, execráveis nomes, e ainda que se apaguem de vossas futuras lápides estes nomes vis, a história não os apagará. Serão sempre lembrados no rol daqueles que semearam a morte.
Aquele homem, aquela criança, aquela mulher... e nós nem os conhecíamos
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